Em uma das primeiras aulas de escrita criativa com o professor Luiz Antonio de Assis Brasil, uma afirmação me pegou de surpresa enquanto eu direcionava toda a minha atenção para a tela na minha frente:
“O que faz a pessoa escrever uma obra literária não é o texto, é o subtexto. O que eu quero dizer com esse romance? O que eu quero dizer com esse conto? O que eu quero dizer com essa novela?” – Prof Luiz Antonio de Assis Brasil
Tal frase me fez ter uma breve crise de questionamentos sobre minha escrita: afinal, o que eu quero dizer? Tenho mesmo alguma coisa pra dizer?
Vomitar palavras no papel tem ficado cada vez mais difícil. Quanto mais envelheço, mais me deparo com um súbito medo de o que era um mutismo seletivo se tornar uma deficiência de fala. Algumas vezes sinto que esses lábios vão se calar e nunca mais abrir de novo. O bloqueio do silêncio também tem atingido minha capacidade de me comunicar pela escrita, o que antes era meu único refúgio, onde costumava sentir segurança para poder expressar quem sou de verdade, até mesmo isso tem sido tirado de mim.
E em uma teia de redes onde todos se debatem o tempo todo, sempre tentando mostrar quem são, o que fazem, o que comem, como vivem, o que leem… Bem, você entendeu a confusão, não é? No meio dessa já existente confusão que se arrasta desde o primeiro fórum criado na internet, a moda de debate no último ano que está ganhando o momento é: autores que usam ChatGPT.
A longa discussão se arrasta, desde o “esse texto está sem nexo demais pra ter sido escrito por um humano” ao “está fazendo muito uso de travessão, só o ChatGPT usa travessão”.
Você pode perceber aqui e ali que eu não faço muito ideia de onde colocar acentos, ou até mesmo vírgulas. Ou pontos. Ou ponto e vírgula; Quando é que se usa ponto e vírgula mesmo? Confesso que nunca entendi muito bem o conceito do ponto e vírgula.
Acontece que não sou um grande mestre do português e as matérias do ensino médio já estão um pouco enferrujadas na minha cabeça, então quando o ChatGPT chegou para solucionar todos os problemas da humanidade (contém ironia), pensei: “Ótimo! Agora posso corrigir meus erros de gramática!” e eu não poderia estar mais enganado quanto a isso.
Pra que terceirizar algo que você gosta de fazer?
Você gosta de escrever? Se você gosta de escrever obviamente gosta de ler, e se gosta de ler, provavelmente possui alguma maneira única de se comunicar através da escrita que envolve todos os livros que você mais gostou, todos os personagens com quem se identificou, os autores que admira, os assuntos que inquietam sua mente e até mesmo aquele personagem secundário que não parece ter muita importância, mas por algum motivo gostamos muito dele: isso tudo é a sua personalidade, e ela é a única coisa que deveria te preocupar em fazer aparecer no subtexto da sua escrita. A sua personalidade é mais importante do que uma vírgula no lugar errado ou uma palavra que a grafia te confundiu demais para estar escrita corretamente.
Você pode até argumentar e me dizer que pode pedir para o Chat manter seu “estilo de escrita”, mas tem certeza de que aquilo é mesmo você? Muitos textos prontos que passei para “revisão gramatical de ChatGPT” acabaram por excluir uma boa parte do meu subtexto. “Isso não é eu e não é isso que quis dizer.”
“Tenho ideias e razões, conheço a cor dos argumentos, mas não chego aos corações”
– Fernando Pessoa
Em uma das melhores aulas de escrita criativa que assisti da PUC, é dito sobre a técnica e a ciência necessária para se tornar um bom escritor. A passagem da inspiração e da imaginação para o papel deve sempre envolver a técnica. Ars sine scientia nihil est (Arte sem ciência não é nada). Terceirizar o trabalho apenas vai me fazer menos capaz de dominá-lo, por mais que eu só escrevesse por “diversão”, poderia dizer, na verdade, que escrevo mais por desespero.
“90% dos livros são aqueles que não foram escritos, ainda bem… Em alguns casos, ainda bem! Porque ter o sonho, ter a imaginação, eu penso que todos nós em diferentes níveis tem. A questão é justamente: a técnica… é “passar para lá”(para o papel), e a técnica se aprende como? Antes de tudo, pela leitura, o grande mestre de tudo é a leitura.” – Prof Luiz Antonio de Assis Brasil
Você tem algo a dizer? Não se trata do que diz expressamente, mas sim daquilo que sugere para o leitor. Acredito que grande parte dos escritores amadores deste site estão mais interessados em conseguir encontrar pessoas com paixões parecidas com quem possam compartilhar suas ideias, e não necessariamente em parecer jornalistas e escritores renomados.
Como uma pessoa que trabalha na área de computação e que já fez algumas longas horas de cursos de Machine Learning, acredite em mim, em alguns casos essas inteligências artificiais vão apenas te atrapalhar. Não tem nada de errado em passar algum texto pro Chat corrigir, mas também não tem nada errado em separar algumas horas da sua semana para estudar gramática básica.
E sim, com o prompt certo, a máquina com certeza vai escrever muito melhor que você. De modo técnico, a escrita dela sempre vai superar a sua, para conseguir textos fluidos e incríveis basta apenas digitar o prompt correto e ajustar em detalhes todos os tópicos que precisa que sejam abordados. A única coisa que precisa fazer depois de conseguir seu texto perfeito é se perguntar “pra quem estou fazendo isso?” ou até mesmo “isso vai mesmo tocar alguém?”
Não sei se me expressei com clareza, mas, eu não quero que o ChatGPT fale por mim. Nietzsche uma vez escreveu que a linguagem é incapaz de expressar a verdade… e na frente disso ele escreveu mais duzentas páginas tentando expressar a própria verdade. Creio que compartilhamos da mesma frustração. Quero ser a mesma pessoa em todas as formas de expressão que encontrar, você sabe que sou eu, não tem nenhum robô entre nós, apenas eu e você e talvez meus erros de gramática.
Recomendações de livros sobre escrita criativa:
Escrever Ficção - Assis Brasil
A Jornada do Escritor - Chris Vloger
Story - Robert Mckee
Como Ler Literatura - Terry Eagleton
Vozes Negras: A Arte e o Oficio da Escrita - Claudia Tate
Entendo e até compartilho do sentimento, no final das contas o ChatGPT é só uma ferramenta. Que nem sempre funciona. Mas, sobre dominar o idioma que você escreve para sentir que sua arte é mais legítima, acho que pode ser debatível... Até porque para escrever um livro e publicar, há a opção de solicitar revisão de um editor. Em algum momento alguém vai revisar e corrigir seu texto, seja a fluidez, a ortografia e dependendo da liberdade até ajustes no enredo.
Isso me fez lembrar de um diálogo que tive com a minha madrinha, que foi professora de português por muitos anos. Perguntei se ela nunca pensou em escrever um livro, e ela disse que a técnica sufoca o artista, que ao longo dos anos concluiu isso na convivência de outros colegas. Não que ela esteja certa, mas é outra forma de encarar as coisas, acho que a técnica pode fazer com que as pessoas compreendam melhor nossas ideias e emoções, e eu sinceramente prezo imensamente por isso, mas de contrapartida, escrever, às vezes é um impulso, ainda mais em textos bem pessoais como uma poesia melodramática, cujo momento me desobriga de pensar se a vírgula está certa ou se é: 'mas ou mais' e todas as outras mini questões ortográficas que costumam condenar todo o processo criativo ao um looping de correções, e de repente, esqueci o que eu tava sentindo hahaha
Então, acho que é importante aprimorar a técnica da escrita, mas a verdade é que a menos que tu seja mestre nisso e viva para isso, sempre vai ser interessante solicitar uma revisão, seja pelo ChatGPT ou por outro humano.
E vou fazer uma comparação paralela de outras artes que em sua comunidade pode ser vista como uma espécie de trapaça ou apenas tira a legitimidade ou o lado humano...
A arte digital é algo que para alguns desenhistas tira a alma, porque existem mil ferramentas para melhorar o desenho, enquanto o artista que se mantém no modo tradicional pode ser visto como o puro, real, verdadeiro. E o engraçado desse sentimento é que para você ser um bom desenhista digital, você tem que ter algum domínio no papel e lápis, não é o obrigatório, claro, mas os artistas digitais que já tive contato são bons desenhistas, sabem o que fazer com um lápis e um papel.
Música também é algo que pode entrar na roda, conhece o influencer Thiagson? Ele colocou um vídeo muito interessante falando sobre como hoje um instrumento musical pode ser um computador com um programa de edição musical... "Poxa, esses caras que fazem trap nunca viram uma partitura na vida", isso não tira a autenticidade e a beleza do trabalho deles...
Minhas comparações indicam que embora a capacidade técnica seja muito importante, se você escreve é porque tem algum domínio, pode aperfeiçoar, mas existe já um domínio como escritora, a IA seria apenas uma ferramenta, que se você usar de forma ética (?), vai ser uma forma de lapidar algo que já está existe e está pronto. A ideia não é pedir para a IA fazer o que você quer porque vai ser ruim mesmo, eu já testei, fica horrível hahaha. Desculpa pelo comentário gigante, mas é um tema que frequentemente esbarro. Aproveitei para desaguar aqui.
Penso igual você, ás vezes o que torna seu texto humano são os erros, as incrogruências, a incoerência. Eu tenho uma certa habilidade para a escrita e muitas vezes recebo elogios por isso e acabo imaginando e pensando o quanto quero que o que eu escrevi seja perfeito e correto — sem erros. Porém, muitas vezes surge a pergunta "tá, mas isso tem beleza? Tem poesia? Tem humanidade?" E sempre tento embelezar meus textos rs. Se eu escrevendo já passo por essa falta de humanidade, de tato humano, imagina com o uso dessas IA? Acho que tudo isso que falei resumo o texto escrito por máquinas. Não tem beleza, não tem emoção.